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terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Oito anos sem Leônidas da Silva, o Diamante Negro



Há exatos oito anos, falecia um dos maiores jogadores da história do futebol brasileiro. Em 24 de janeiro de 2004 Leônidas da Silva deu seu último suspiro, em uma casa para tratamento de idosos em São Paulo vítima do Mal de Alzheimer, que o perseguia desde a década de 1970.

Abaixo, o texto do livro "A Magia da Camisa 10", de André Ribeiro e Vladir Lemos, sobre a carreira de Leônidas da Silva, o Diamante Negro:

Na Copa da França, em 1938, o craque que encantou o público francês foi um brasileiro, baixinho, autêntico pioneiro na magia da camisa 10 de Pelé. Aliás, Leônidas da Silva, o popular Diamante Negro, é considerado o primeiro rei do futebol brasileiro. Seu reinado durou até 1950, quando deixou de jogar futebol para tornar-se o primeiro jogador comentarista de rádio e televisão do Brasil.


No Mundial de 1938, Leônidas, além de artilheiro da competição com oito gols foi eleito o melhor jogador da Copa. Jamais os europeus haviam visto algo igual. A agilidade do craque brasileiro deixou a todos perplexos, tanto que os jornalistas franceses decidiram apelidá-lo Homem-Borracha pela elasticidade e movimentos acrobáticos com que executava suas jogadas. A mais famosa dela, a bicicleta, virou sua marca registrada. Desafiando as leis da física, Leônidas ficava suspenso no ar, de cabeça para baixo, e, como se pedalasse, desferia chutes precisos contra o gol adversário. Cansou de fazer gols assim. Era muito mais do que uma simples jogada, passou a ser tratada como arte, símbolo de habilidade e criatividade do futebol brasileiro. Pelé, o criador da mística da camisa 10, confessou anos mais tarde que, quando menino, na pequena Bauru, interior de São Paulo, fugia de casa para ir aos estádios só para ver de perto a maior estrela do futebol na época executar uma bicicleta.


A genialidade do craque Leônidas transformou-o em um mito no Brasil, especialmente nas décadas de 1930 e 1940. Seu prestígio chegou a ser comparado ao de dois fenômenos de popularidade: o presidente da República, Getúlio Vargas, e o cantor Orlando Silva, conhecido como o Cantor das Multidões.


Leônidas viveu noventa anos; vítima do Mal de Alzheimer, morreu em janeiro de 2004, mas passou a maior parte desse tempo como um "mito do papel", pois, apesar de sempre ser eleito para compor a seleção brasileira ideal de todos os tempos, poucos o viram jogar, a não ser pelas raríssimas imagens existentes da Copa do Mundo de 1938, na França. Sua memória foi perpetuada pelos incontáveis artigos publicados durante o período em que se consagrou no futebol.


A partir de 1932, Leônidas virou sinônimo de notícia, nunca mais saiu das manchetes da primeira página. Era a primeira vez que vestia a camisa da seleção brasileira - um feito sem precedentes, já que o Bonsucesso, clube que o revelara, era considerado apenas um pequeno time do subúrbio carioca. Pela primeira vez, também, a maior autoridade da política esportiva de um país desafiava o prestígio e a fama de um jogador de futebol. Renato Pacheco, presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), não queria que Leônidas embarcasse para enfrentar o Uruguai pela Copa Rio Branco de 1932. Temia que Leônidas e outros jogadores negros da seleção dessem algum vexame em terras estrangeiras. Graças ao técnico da seleção brasileira, Luís Vinhaes, o preconceito foi derrotado. A frase dita pelo treinador ao presidente da CBD demonstrava a importância e a magia que Leônidas representava: "Sem Leônidas, ninguém sai do Brasil".


O treinador brasileiro tinha razão quando bateu o pé pela presença do craque negro. Leônidas foi o destaque da seleção brasileira em Montevidéu. Jogou tanto que, um ano depois, aceitou a proposta de dirigentes uruguaios para defender o Peñarol. Foi uma temporada marcada por contusões. Ao voltar, depois de uma rápida passagem pelo Vasco, tornou-se o centro das atenções na convocação para a Copa do Mundo de 1934. O profissionalismo engatinhava, mas seduzia qualquer um. Com Leônidas não foi diferente. Para jogar a Copa, aceitou dinheiro da CBD para vestir a camisa da seleção. O principal jornal de esportes do Brasil na época, o Jornal dos Sports, foi impiedoso na manchete logo após saber da proposta aceita pelo jogador: "Patriotismo por 30 contos".


O craque brasileiro era tratado pela imprensa como mercenário, mas mesmo assim os torcedores não deixaram de ser seduzidos pelo encanto e pela magia de seu futebol. Leônidas era um legítimo representante do futebol em estado mais bruto, em todos os sentidos, pela época em que viveu e pelos obstáculos que enfrentou. Como o contrato com a CBD previa, ao voltar da Copa foi defender o Botafogo. Discriminado por ser negro, quase não conseguiu jogar. Refém de contratos, foi obrigado a esperar seis meses para conseguir transferir-se para o Flamengo. Com a camisa do rubro-negro carioca, transformou-se no jogador mais famoso do futebol brasileiro. Uma eleição realizada por um fabricante de cigarros dava ideia de seu prestígio. Leônidas obteve quase 250 mil votos, contra apenas a metade do segundo colocado. Com a popularidade em alta, Leônidas usava e abusava da fama. Na preparação da seleção brasileira para a Copa do Mundo na França, em 1938, chegou com dois dias de atraso aos treinamentos. Na recepção, em uma pequena estação de trens, ouviu dos jornalistas que o aguardavam ansiosos a notícia de que o trinador brasileiro estava prestes a cortá-lo do grupo. A resposta foi seca: "Ele não faria isso". Perplexos com a afirmação, os jornalistas retrucaram: "Mas como você pode ter certeza disso?". A resposta do craque foi ainda mais assustadora: "Porque eu sou Leônidas!".


Podia parecer arrogância, mas sua atuação na Copa do Mundo de 1938 faria o mundo tratar o futebol brasileiro com eterna reverência.


A partir de 1939, Leônidas, o Diamante Negro, viveu dias terríveis no Flamengo, apesar de ser o principal responsável por quebrar, naquele ano, o jejum de 11 anos sem a conquista de um título estadual. Atormentado por uma contusão no joelho, foi acusado pelos dirigentes de não querer jogar e, depois de operado, acabou preso por ter se beneficiado de documentos falsos que o livraram do serviço militar.


Em 1942 a venda de Leônidas ao São Paulo Futebol Clube foi a maior transação do futebol brasileiro. O craque foi carregado nos ombros pela torcida desde a estação em que desembarcou até a sede do clube. Durante os oito anos em que defendeu a camisa de três cores do São Paulo conquistou cinco vezes o Campeonato Paulista.


Com sua fama, Leônidas aproximou o futebol da propaganda. Diamante negro virou nome de chocolate e emprestou sua grife a diversos produto, como relógios e cigarros.


Em 1950 ficou fora da primeira Copa do pós-guerra, disputada no Brasil, por causa do técnico Flávio Costa, antigo desafeto dos tempos de Flamengo. Difícil dizer se foi mesmo um castigo não poder defender o Brasil em uma Copa do Mundo em seu próprio país. O fato é que, no dia 16 de julho, Brasil e Uruguai decidiram o título no recém-construído estádio do Maracanã. A derrota que fez silenciar quase duzentos mil torcedores havia sido prevista por Leônidas três meses antes. A manchete do jornal O Mundo Esportivo estampava: "Eu acuso! Com Flávio Costa o Brasil perderá fatalmente a Copa do Mundo".


Leônidas acertou o prognóstico, contrariando os planos que políticos e dirigentes haviam programado minuciosamente durante anos. A certeza sobre a conquista inédita estava na geração de craques que vestiam a camisa brasileira na primeira e única Copa realizada no Brasil.


Pela primeira vez na história dos Mundiais, os jogadores usavam números nas camisas. Se estivesse em campo, bem que a 10 poderia ser de Leônidas. Mas não estava, e o privilégio coube a Jair Rosa Pinto.




O primeiro craque do futebol brasileiro, Arthur Friedenreich (centro), Leônidas (esquerda) e Pelé (direita)



Para conhecer mais histórias sobre o craque Leônidas da Silva, visite o blog Literatura na Arquibancada

No endereço abaixo, você pode assistir o documentário "Diamante Negro - O homem que venceu o tempo", produzido por André Ribeiro, proprietário do blog descrito acima.