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quarta-feira, 18 de maio de 2011

Histórias Campeãs: Eterna raça

Reproduzo texto da série Histórias Campeãs, de Pedro Cheganças, publicado no blog Futebol de Seleções:


Raça até o último segundo, catimba, habilidade e força física. Nenhuma descrição se enquadraria melhor do que essa ao falarmos do Uruguai. País bicampeão mundial e bicampeão olímpico, nossos vizinhos tem uma história rica quando falamos de futebol, história essa que se desenvolveu principalmente na primeira metade do século XX.

Vencedora das Olimpíadas de 1924 (Paris) e 1928 (Amsterdam), a Celeste, também conhecida como Celeste Olímpica devido a essas duas conquistas, encantou o mundo no início do século. Mesclando habilidade de jogadores como José Leandro Andrade, considerado o primeiro grande jogador negro da história do futebol e cérebro do time nessas conquistas, com a coletividade e bons coadjuvantes como Héctor “El Manco” Castro (que tinha o apelido por não possuir uma das mãos), o Uruguai também conquistou a primeira Copa do Mundo, realizada em seu próprio território, por pressão do então presidente da Fifa, Jules Rimet, que ficou entusiasmado com a apresentação do selecionado celeste nos Jogos de Paris.

Em 1934, o país recusou-se a disputar a Copa na Europa, em represália aos países que haviam se negado jogar o torneio de 1930. Também não participou da edição de 1938, só voltando a competir no maior torneio de seleções do mundo na sua primeira edição pós-guerra, em 1950, no Brasil. E não só voltou a participar, como fez bonito, protagonizando um dos maiores vexames da história do futebol brasileiro: a derrota do país-sede na final em pleno estádio do Maracanã, com um gol do ponta Gigghia. Vexame esse nunca esquecido pelos brasileiros, conhecido pelo nome de Maracanazo.

Nessa seleção campeã em 1950, podemos ver bem as características marcantes do futebol uruguaio. A habilidade do ótimo lançador Julio Pérez, que fez o passe para o fatídico gol. O ponta Gigghia, supracitado, possuía grande força física e uma explosão muito grande. O capitão da conquista, e principal jogador, era o incansável Obdulio Varela, considerado até hoje o melhor jogador da história do Uruguai.

Diego Lugano, capitão uruguaio na Copa de 2010 e ex-zagueiro do São Paulo, disse certa vez que “com Deus, não se brinca”, ao ser questionado pelo jornalista João Palomino, da ESPN, se nunca havia brincado de ser Obdulio quando era criança, fantasiando ser o craque e herói nacional. Analisando friamente a resposta do zagueiro, dá pra se ter uma noção do que o “Negro Jefe” significa para o futebol do país.

A primeira derrota uruguaia em Copas só ocorreria em 1954, para a Hungria, nas semifinais. Até então, a Celeste ostentava uma invencibilidade de 11 jogos, com 10 vitórias e 1 empate. A partir de então, uma época de vacas magras instalou-se no futebol uruguaio. A seleção não classificou-se para a Copa de 58 e caiu na primeira fase da edição de 62. A sobrevida veio em 66, com uma queda nas oitavas, e em 70, chegando às semifinais. Depois disso, quedas na primeira fase em 74 e 2002, além de duas quedas nas oitavas, em 86 e 90, mas com um futebol fraco. Apesar da queda em nível mundial, a Celeste manteve um bom nível no cenário continental, vencendo 6 de seus 14 títulos da Copa América entre 56 e 95.

Se as coisas não iam tão bem para o selecionado nacional, seus clubes faziam bonito. O Peñarol tornou-se o terceiro maior vencedor da história da Libertadores da América, com cinco títulos, atrás apenas dos argentinos Independiente e Boca Juniors. Além de possuir o maior artilheiro da história da competição, o equatoriano Spencer, os Carboneros lançaram ao mundo jogadores como o habilidoso meia Pedro Rocha, o goleiro Mazurkiewicz e Pablo Forlán, pai do atual principal destaque da Celeste, Diego Forlán. O Nacional, outro clube uruguaio, venceu o torneio em três ocasiões nesse período, com jogadores como Hugo De León e Waldemar Victorino.

Outros jogadores habilidosos surgiram no Uruguai, como Álvaro Recoba, além de bons defensores, como Alejandro Lembo e Paolo Montero. Porém, a falta de união no conjunto fez com que o time não engrenasse vôos maiores. Em 2002, após o fracasso nas Eliminatórias para as Copas de 94 e 98, a Federação decidiu efetivar o treinador Victor Púa, que havia trabalhado nas categorias de base do país, para dar liga à seleção principal. A Celeste até conseguiu a classificação para a Copa, mas teve uma presença vexatória, somando apenas dois pontos em três jogos.

Após novo fracasso na tentativa de classificação para a Copa de 2006, dessa vez perdendo a repescagem para a Austrália, a Federação decidiu efetivar outro conhecido das categorias de base, Óscar Tabárez, que havia trabalhado com a equipe sub-20 de seu país nos anos 80. Em sua primeira campanha, um quarto lugar satisfatório na Copa América de 2007. Mas o grande trabalho viria em 2010.

Após uma classificação conturbada, ao perder a última partida para a Argentina e disputar a repescagem para a Copa do Mundo de 2010 para a Costa Rica, o Uruguai se classificou como um azarão para a edição da África do Sul. Azarão? Ledo engano. Resgatando traços de sua cultura, o país aliou força física, coletividade e habilidade para sair de um grupo relativamente complicado na primeira fase, que contava com os anfitriões sul-africanos, o México e a França, derrotar a veloz Coreia do Sul nas oitavas e bater Gana nas quartas, num dos jogos mais emocionantes da Copa. A espetacular campanha foi parar nas semifinais, com uma derrota para a Holanda.

Nessa oportunidade, a coletividade de um grupo solidário foi mesclada à força física e determinação de atletas como Lugano e Godin, além da habilidade de jogadores como Forlán, Cavani e Luis Suárez. Méritos do treinador, que conhece as tradições e culturas de seu país, sabe trabalhar com jovens jogadores (vale lembrar que, no torneio, Cavani tinha 23 anos, bem como Suárez) e soube, quando preciso, motivar e unir um grupo, fazendo todos os jogadores acreditarem que, com dedicação durante todos os segundos de jogo, até mesmo um azarão poderia vencer. Atitudes que deixariam Obdulio Varela, se ainda estivesse vivo, orgulhoso de seu legado.

Ainda é cedo pra falar no futuro, mas a julgar pela idade e qualidade do grupo, além do bom trabalho do treinador, o futebol uruguaio poderá sonhar em reeditar momentos como os do último século, onde um dos menores países da América do Sul esteve no topo do mundo.

Imagens: Uruguai em 1930 (MTN Football.com); Uruguai em 1950 (SoccerNet.com); Uruguai em 2010 (FutbalWallpapers.com).

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